O Portal do Fracasso
Permita-me propor um exercício de imaginação. Imagine uma cidade com um trânsito caótico, espremida por todos os lados, com pouquíssimos acessos e em franca decadência regional. Como tantas outras no Brasil, uma cidade agonizante precisando de investimentos, infraestrutura e empregos. Imagine agora a construção de uma barreira de concreto limitando e complicando o fluxo no principal acesso desta cidade. Imagine um enorme bloco de concreto e asfalto largado no meio do que é a principal entrada da cidade. Encravada no meio do sul fluminense, espremida entre morros, um rio, um pátio de manobras ferroviário, e agora presenteada com um viaduto inacabado na sua principal porta de entrada, este lugar existe, Barra Mansa, aquela que já foi o principal centro econômico e comercial da sua região, agoniza agora sufocada por uma sequência de abandonos e absurdos.
Não suficiente com essa aberração de se abandonar como ruínas de guerra, por quase dois anos, os restos de um projeto inacabado, poucos metros à frente, na mesma rua, na mesma cidade, o estado se faz novamente presente de forma implacável e vigorosa, não mais em entulhos e na incompetência de um programa federal fracassado, mas com tecnologia, eficiência, controle eletrônico e integração: numa barreira fiscal implacável quase permanente que afere a inadimplência tributária do cidadão barra-mansense que ousa entrar ou sair desta cidadela. Quando mal acabou de desviar de uma barreira, há outra. Duas barreiras. Dois portais. Dois legados. Dois governos. Um federal, outro estadual. Ao invés de trem bala, PAC, revitalização e o fim do pátio de manobras, um portal de entulho e uma fiscalização tributária, que de tão banalizados e aceitos, se tornaram uma espécie da paisagem da cidade sem incomodar políticos, imprensa ou formadores de opinião. Um monumento à insensatez e outro ao fracasso. Lado a lado juntas na rua, as duas faces imorais do estado brasileiro: As ruínas de mais uma obra vendida, faturada, mas inútil e incompleta, e logo à frente, a sanha arrecadatória e predatória do estado coagindo e intimando sem pudor ou receio a mesma população que desamparou a poucos metros atrás. Dois países lada a lado. A Suíça e o Zimbábue. Um cobrando. Outro servindo. Um com tecnologia de ponta. Outro em ruínas. A mesma população pagando a conta de um e recebendo o serviço de outro.
Como aquela vítima que se apaixona pelo seu algoz, o barramansense feliz, otimista, cidadão exemplar, bem intencionado e fiel cumpridor dos seus deveres defenderá a barreira fiscal como se todas as prerrogativas de liberdades individuais, direitos de defesa, direito de posse e garantias civis desaparecessem misteriosamente ao se atrasar um boleto do IPVA. Dirá ainda que o entulho largado na entrada da cidade, chamado de viaduto, foi por lá construído por inocência daqueles que o venderam sem saber que não haveria por anos, talvez por décadas, aonde se chegar com ele.
Pobre barramansense que se aventura entre trens, desvia de entulhos, das blitz do Detran, do trânsito, da falta de sinal de celular, dos apagões de energia em dias de chuva e que paga a conta de água mais cara, incerta e “cara de pau” do sul fluminense. Esses dois portais colocados à porta da sua cidade são apenas a cereja no bolo coroando a grande passividade política de seus representantes e da sua população.
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