15 maio, 2015
Comentários

Reflexões sobre a mulher de malandro: Por que a vítima ainda é a culpada?

"

O mundo evoluiu bastante nas últimas décadas e atualmente há um consenso de que a violência doméstica deve ser combatida. Vemos que a sociedade mudou com relação a esse tipo de violência: está nos jornais, nas redes sociais, nos pontos de ônibus; não são poucas as campanhas promovidas pelo Poder Público com o objetivo de combater a violência doméstica contra a mulher. Há até quem reclame do excesso de artistas e militantes virtuais tocando no assunto.
Porém, ainda crescemos com padrões patriarcais e mantemos a chamada culpabilização da vítima. A falsa ideia de que a igualdade de gênero foi atingida tem nos remetido à falaciosa percepção de que o problema já não é tão grave assim, ou que  pode ser resolvido a qualquer momento, de modo que já não precisaríamos nos preocupar tanto.
Se antes a violência era atribuída à própria mulher - que possivelmente teria tido um comportamento inadequado que explicasse a conduta do agressor- hoje, após anos e anos de luta e conscientização, as causas da primeira violência já são atribuídas ao companheiro.
O problema reside justamente nesse ponto: a primeira violência é injusta. Mas só essa. A culpa pelas demais agressões ainda é atribuída às vítimas. A culpabilização se dá em todas as esferas: familiar, social e – pasmem – até jurídica. Essa realidade se mostra muito clara no uso da expressão “mulher de malandro”, que retrata perfeitamente o quadro endêmico de culpabilização da vítima em que a sociedade atual se encontra. Listo aqui alguns fatores que contribuem para tal mentalidade: (i) ignorar a existência da violência psicológica, que mantém a vítima emocional ou financeiramente presa ao agressor, impedindo a denúncia; (ii) igualar a violência doméstica aos outros tipos de violência, considerando ser fácil para a agredida denunciar o agressor (“se é ruim, por que ela não denuncia?” - como se algum tipo de violência fosse bom, como se o lado emocional não estivesse fragilizado, como se denunciar um cara na rua ou o marido fosse a mesma coisa); (iii) ao mesmo tempo, diferenciar a violência doméstica das demais, entendendo que terceiros não podem adentrar a situação: a mulher deve sair dessa sozinha.

"O que se vê é a existência de uma situação coletiva implícita desfavorável à denúncia, um sadismo social que visualiza a vítima no canteiro com os leões e assiste ao espetáculo calmamente, esperando para ver se dali sai uma forte gladiadora ou se a mulher perecerá no senso comum, indigna de uma intervenção.
Em verdade, o que precisamos é resgatar as mulheres que se encontram nessa situação.
Nesse sentido, a decisão do STF na ADI n° 4424, que completa agora três anos, representou um imenso avanço ao possibilitar a denúncia da violência por qualquer pessoa que saiba do ocorrido e vetar a tão costumeira desistência da vítima, permitindo que a sociedade realmente combata esse tipo de violência. Que esse avanço continue e nos ajude a parar de julgar a “mulher do malandro” para enxergar, enfim, que a “vítima” precisa de ajuda para se livrar de seu “algoz”.

Comentários