Filme gravado na Ponta Negra mostra chegada da eletricidade na costeira de Paraty
Paraty mais uma vez foi cenário para o audiovisual. Agora, a produção do filme ‘Samuel e a Luz’ registrou, de 2016 a 2022, a comunidade caiçara de Ponta Negra, focando na rotina familiar do personagem Samuel e nas instalações da energia elétrica na zona costeira por meio do ‘Programa Luz Para Todos’, que atende mais de 2 mil pessoas atualmente.
Desde outubro do ano passado, exibições do filme têm acontecido em festivais e circuitos especializados, mas o núcleo de protagonistas formado por Eliseu dos Remédios, Sueli Ramos, Samuel Ramos dos Remédios, Marissol Ramos Almeida, Charles Ramos Nascimento, Júlia Ramos e Daniela Ramos, pais e filhos, foram os únicos a assistirem o longa na Ponta Negra.
‘Samuel e a Luz’, produzido pela Le-Lokal Production e Sandero Filmes, estará disponível nas plataformas de streaming em todo o país a partir do segundo semestre de 2024. No mês de maio, será exibido durante a Mostra Novíssimo Cinema Brasileiro, no CinUSP, em São Paulo.
Dirigido pelo cineasta Vinícius Girnys e premiado, por exemplo, como Melhor Documentário na 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e pelo Festival Internacional de Cinema de Guadalajara (FICG), o primeiro longa-metragem de Girnys mostra o início da eletrificação em uma região paratiense que, antes da mudança, em 2017, vivia à base de velas, três geradores e poucas placas solares.
O projeto gravado durante seis anos capta, sobretudo, o crescimento das cinco crianças, a relação do casal Eliseu e Sueli, assim como os dilemas entre progresso e tradição caiçara.
“Fiz uma primeira imersão de pesquisa, sozinho e sem câmera. Fiquei uns vinte dias lá, conversando e conhecendo mais as pessoas. Muitas famílias já tinham algum tipo de eletricidade em casa, busquei aquelas que não tinham nada disso. A família do Samuel era uma dessas”, disse Vinícius Girnys, diretor do filme. “Tinha em mente gravar por pelo menos três anos: o antes da luz; a chegada da luz e o pós-luz, com um espaço de tempo razoável entre eles”.
Uma das últimas comunidades contempladas em 2017, ao todo são aproximadamente 2 mil paratienses – 418 famílias, sendo 66 na Ponta Negra – atendidos pelo ‘Programa Luz para Todos’, uma iniciativa com investimentos de R$ 3,2 milhões em uma parceria entre Governo Federal, Prefeitura de Paraty e a Enel Brasil, empresa responsável pela energia elétrica do município. “A energia é um direito fundamental, assim como a saúde, a educação e o saneamento básico. Entregamos mais um sonho, mais uma realização. Tenho certeza que aquela data de 9 de dezembro de 2017 ficou marcada na história de Ponta Negra”, destacou o prefeito Luciano Vidal.
Realizada em oito meses, a implantação dos 40 quilômetros de rede de distribuição e 1.300 postes aconteceram nas regiões de Ponta Grossa, Saco do Mamanguá, Pouso da Cajaíba, Itanema e Calhaus, além da comunidade onde o filme foi rodado, beneficiada com 192 postes de fibra, 15 transformadores de distribuição e oito quilômetros de cabo elétrico ligados à Praia do Sono.
Diferentes ângulos do filme ‘Samuel e a Luz’ registraram a logística na instalação das estruturas elétricas. Esse aspecto fica evidente quando mostra os técnicos atravessando o mar aberto para chegar aos locais remotos e carregando equipamentos pesados na mão. “Foi muito difícil, mas hoje nos traz muito orgulho”, afirmou Shcneider Torres, coordenador de obras da Enel, em 2018.
Políticas públicas de saneamento básico também começam a chegar em toda zona costeira através de recursos públicos e privados, firmados em parceria entre Prefeitura de Paraty e o Comitê de Bacia Hidrográfica da Baía da Ilha Grande.
Desde 2023, sistemas biodigestores, caixas de gordura e reservatórios de água foram instalados em comunidades como Ponta Negra, Praia do Sono e aldeia indígena Araponga. De acordo com Vidal, todas as comunidades serão assistidas.
“Ponta Negra é um microcosmos do Brasil”: Bastidores de ‘Samuel e a Luz’
Os personagens apresentados durante as cenas são moradores da Ponta Negra, gravados de modo espontâneo com câmaras visíveis e, por vezes, roteirizados, ensaiados e com textos decorados.
Frequentador da Ponta Negra há 16 anos, Vinícius Girnys já conhecia parte do vasto catálogo cinematográfico rodado em Paraty, destacando o filme ‘Vento Contra’ (1981), da diretora Adriana Mattoso. Já a escolha do núcleo foi motivada pela aproximação dele com a família Ramos.
“Foi muito importante a admiração que eu nutria por Eliseu – ou, mais precisamente, por seu modo de vida, habilidades manuais -, em uma idealização citadina e antiga, mas sempre atual. O Eliseu representava para mim uma cultura ‘em vias de extinção’. Certamente Samuel não seria como ele, crescendo com televisão, geladeira e internet,” declarou.
Assim como os eletricistas lidaram com dificuldades, na produção vencedora de seis prêmios e qualificada para o Oscar 2024 não seria diferente. Para Girnys, “o grande desafio foi conseguir manter um prumo coerente para construir um filme ao longo de tantos anos, durante os quais fui mudando meu foco. Comecei com Eliseu, passei para o Samuel e terminei com a Sueli. Então a montagem também foi muito difícil”.
Com todo pretenso progresso, e aí está parte do eixo apresentado em ‘Samuel e a Luz’, vem junto situações que modificam para o bem ou para o mal a realidade das comunidades. Sobre esse assunto, o diretor foi categórico: “Ponta Negra é um microcosmos do Brasil, os problemas são profundos e estruturais, e a eletricidade que chega só coloca luz sobre eles”.
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